A série sul-coreana Round 6 (Squid Game), lançada pela Netflix, rapidamente se tornou um fenômeno cultural, abordando temas como desigualdade social, exploração do sofrimento humano e os limites da moralidade em contextos extremos. O enredo gira em torno de um grupo de pessoas endividadas que aceita participar de uma competição mortal baseada em jogos infantis, onde apenas um pode sair vencedor. Neste artigo, exploraremos Round 6 à luz da psicologia social, da obra freudiana Psicologia das Massas e Análise do Eu, da sociologia e da antropologia, destacando como a série reflete a condição humana e as estruturas sociais contemporâneas.
Psicologia Social: O Efeito do Poder e a Desumanização
Na perspectiva da psicologia social, Round 6 ilustra de forma contundente o fenômeno da desumanização, termo estudado por Albert Bandura em sua teoria da moralidade desengajada. Os organizadores dos jogos tratam os participantes como meros números, retirando-lhes qualquer identidade e dignidade. Esse processo é análogo ao que ocorre em situações de guerra, em regimes totalitários e até em corporações que veem trabalhadores como peças descartáveis.
Outro conceito fundamental da psicologia social presente na série é o efeito do poder e da obediência, estudado por Stanley Milgram. No experimento de Milgram, participantes eram induzidos a aplicar choques elétricos letais em outras pessoas sob ordens de uma figura de autoridade. Em Round 6, os guardas mascarados cumprem as ordens do sistema sem questionar, mesmo quando isso envolve execuções brutais. Isso demonstra como a obediência cega e a hierarquia podem reduzir o senso de responsabilidade individual, levando à perpetuação da violência institucionalizada.
Freud e a Psicologia das Massas: A Luta entre o Ego e o Coletivo
Sigmund Freud, em Psicologia das Massas e Análise do Eu, discute como o indivíduo se dissolve em uma coletividade, sendo absorvido por uma mentalidade grupal irracional e impulsiva. Em Round 6, vemos isso claramente quando os participantes, em um ambiente de extrema pressão, abandonam sua individualidade e aderem a comportamentos violentos e competitivos.
O episódio onde os competidores se atacam à noite ilustra essa dinâmica: quando o medo e a sobrevivência dominam, os laços sociais se rompem, e o ego individual é suprimido pela irracionalidade do coletivo. Esse fenômeno também é visto em contextos históricos, como linchamentos públicos ou na ascensão de regimes fascistas, onde a histeria coletiva conduz indivíduos a atos que normalmente não cometeriam sozinhos.
Além disso, Freud aponta que os líderes de massas (como o criador dos jogos na série) exploram arquétipos primitivos e desejos inconscientes dos indivíduos. A promessa de redenção financeira funciona como um mito messiânico, onde os jogadores, mesmo diante do horror, continuam apegados à esperança de um "salvador" (no caso, o prêmio).
Sociologia: Teoria do Capitalismo e a Exploração da Pobreza
Do ponto de vista sociológico, Round 6 é uma crítica direta ao capitalismo tardio e à mercantilização da vida humana. O sociólogo Zygmunt Bauman, em sua teoria da modernidade líquida, argumenta que a sociedade atual transforma tudo em mercadoria, inclusive o sofrimento e a própria existência. Os participantes do jogo são indivíduos descartáveis, explorados para o entretenimento de uma elite invisível, uma metáfora para a precarização do trabalho e a desigualdade extrema.
O sociólogo Pierre Bourdieu também oferece uma chave de leitura com seu conceito de violência simbólica. A série mostra como os jogadores, mesmo após escaparem temporariamente do jogo, voluntariamente retornam, pois a realidade social fora da arena é igualmente cruel. Isso demonstra como os indivíduos internalizam sua posição na hierarquia social e aceitam as regras do sistema, ainda que elas os prejudiquem.
Antropologia: Jogos e Rituais de Sacrifício
A antropologia nos ajuda a compreender Round 6 a partir da perspectiva dos rituais de sacrifício, um tema estudado por Claude Lévi-Strauss e René Girard. Em muitas culturas antigas, jogos e competições eram utilizados como forma de reforçar hierarquias sociais e rituais de passagem.
René Girard, em sua teoria do bode expiatório, argumenta que sociedades frequentemente canalizam suas tensões e violências internas para um grupo ou indivíduo específico, que então é sacrificado para restaurar a ordem. Em Round 6, os jogadores assumem esse papel: são escolhidos para um "ritual" em que sua morte serve tanto para o espetáculo quanto para a manutenção de uma elite intocável.
Além disso, Lévi-Strauss sugere que os mitos e os jogos funcionam como uma maneira de estruturar o caos. Em Round 6, os jogos infantis representam uma tentativa ilusória de impor regras a um mundo sem sentido. O que deveria ser lúdico e inocente se torna mortal, refletindo como as regras sociais, aparentemente justas, muitas vezes escondem brutalidade e opressão.
Conclusão: Round 6 como Espelho da Sociedade
Round 6 não é apenas uma série de entretenimento; é um espelho brutal das desigualdades do mundo moderno. A psicologia social nos mostra como a desumanização e a obediência ao poder moldam comportamentos extremos. Freud explica como massas podem ser manipuladas e levadas a estados irracionais. A sociologia revela como o capitalismo converte pessoas em mercadoria descartável, enquanto a antropologia destaca a permanência de rituais de sacrifício travestidos de espetáculo.
No final, Round 6 nos deixa uma pergunta incômoda: se estivéssemos na mesma situação, até que ponto resistiríamos antes de nos tornarmos peças do jogo?
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