A Depressão e o Mito de Sísifo: Um Olhar Existencial Sobre o Sofrimento

A depressão é, frequentemente, abordada sob uma ótica biomédica, como um transtorno mental marcado por alterações químicas no cérebro. Embora essa perspectiva seja válida e necessária em muitos casos, não é a única forma de compreender esse fenômeno. A Daseinsanálise, uma abordagem filosófica inspirada pela fenomenologia existencial de Heidegger, oferece uma visão profunda e alternativa: ela enxerga a depressão não apenas como uma doença, mas como uma manifestação do sofrimento inerente à condição humana.  

Essa visão existencial se aproxima das reflexões de Albert Camus em O Mito de Sísifo, onde o filósofo utiliza o mito grego para explorar o absurdo da vida e a busca por sentido. Mas o que o sofrimento de Sísifo pode nos ensinar sobre a depressão e a maneira como enfrentamos a vida?  


O Mito de Sísifo e a Condição Humana 

Na mitologia grega, Sísifo é condenado pelos deuses a empurrar uma pedra até o topo de uma montanha, apenas para vê-la rolar de volta ao chão, eternamente. O castigo parece cruel por sua inutilidade: um esforço infinito sem qualquer recompensa. Camus interpreta essa história como uma metáfora para a condição humana — buscamos sentido em um universo que permanece indiferente às nossas perguntas.  

Para Camus, o ponto crucial está na consciência de Sísifo ao descer a montanha. Nesse momento, ele entende a futilidade de sua tarefa, mas também encontra uma forma de liberdade: ao aceitar a falta de sentido, ele pode se apropriar de sua condição e criar significado a partir dela. É nesse paradoxo que Camus nos convida a imaginar Sísifo feliz.  

Depressão e a Pedra de Sísifo

Na depressão, muitas pessoas relatam uma sensação de perda de propósito e desconexão com a vida cotidiana. O mundo, antes habitado de forma espontânea, torna-se pesado e opressivo, como se cada tarefa diária fosse empurrar uma pedra montanha acima. Esse estado não é apenas um "desvio da norma", mas, como propõe a Daseinsanálise, um rompimento com o "automático" da existência.  

A Daseinsanálise entende a depressão como um momento em que a pessoa perde o fio condutor que a conectava ao mundo — aquele estado de viver de forma natural e sem grandes reflexões sobre o sentido das coisas. Assim como Sísifo, o indivíduo depressivo percebe o peso da vida sem ilusões: as certezas se desmancham, as metas perdem o brilho, e a conexão com o cotidiano parece irremediavelmente quebrada.  


A Oportunidade do Sofrimento Existencial  

Embora a experiência da depressão seja esmagadora, ela também pode oferecer um espaço para reflexões profundas. É nesse ponto que o sofrimento existencial se encontra com o mito de Sísifo. Aquele que vive a depressão é forçado a olhar para o absurdo da vida — para a falta de garantias ou controle absoluto — e, a partir daí, buscar um novo caminho.  

Esse "despertar", embora doloroso, pode abrir a porta para uma relação mais autêntica com a existência. Para Camus, aceitar o absurdo da vida não significa resignação, mas uma revolta criativa: a chance de criar significado mesmo diante do vazio. Da mesma forma, na perspectiva existencial, a depressão não é apenas uma doença a ser combatida, mas um momento que pode revelar verdades essenciais sobre quem somos e como nos relacionamos com o mundo.  

Entre o Absurdo e a Reconstrução  

A depressão, quando vista como uma mera "perturbação afetiva", tende a ser tratada apenas com a intenção de restaurar o "normal" — ou seja, reinserir a pessoa no fluxo da produtividade e das normas sociais. Contudo, isso pode ignorar a riqueza existencial que esse sofrimento carrega.  

O mito de Sísifo nos ensina que, mesmo diante do absurdo, há liberdade na aceitação. Assim como Sísifo pode escolher sua atitude ao descer a montanha, a pessoa em depressão pode encontrar na experiência uma oportunidade de ressignificar sua relação com a vida.  

Reconhecer essa dimensão existencial da depressão não significa negar a importância de tratamentos clínicos, mas, sim, ampliar o olhar para compreender o sofrimento como algo inerente à condição humana — e como uma chance de reconstrução. Afinal, a pedra que carregamos pode nos esmagar, mas também pode nos ensinar o que realmente importa em nossa jornada.  

Conclusão  

A depressão e o mito de Sísifo, à primeira vista, parecem histórias de desespero e futilidade. Contudo, ao olharmos mais de perto, percebemos que ambos também falam de resistência, consciência e transformação. Assim como Sísifo pode escolher a sua revolta contra o absurdo, quem enfrenta a depressão pode encontrar, no enfrentamento de sua dor, a semente de uma nova forma de existir no mundo.  

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