Este texto é resultado de uma atividade solicitada pela professora da Pós-Graduação em Psicanálise. Decidi articular ideias de Freud e Byung-Chun Han. Aqui, divido com vocês minhas reflexões:
No capítulo “Coação à Felicidade” do livro Sociedade Paliativa (2001), Byung-Chul Han explora como a sociedade contemporânea, sob o modelo neoliberal, promove uma compulsão à busca incessante por felicidade, que é tratada como um objetivo obrigatório. O autor argumenta que essa felicidade imposta é uma forma de coação sutil, que aliena os indivíduos e transforma a experiência de dor e sofrimento em questões privadas, desprovidas de sua dimensão social e política.
Pontos principais do capítulo:
1. A Privatização da Dor: Han aponta que, nas sociedades contemporâneas, a dor foi relegada à esfera privada e tratada principalmente como um problema individual a ser resolvido por meio da medicina, terapias ou autossuperação. Antes, a dor era uma experiência sociopolítica visível, com rituais que a tornavam parte da vida comunitária, carregando significado e função coletiva. O autor critica como o neoliberalismo medicalizou e despolitizou o sofrimento, tornando-o um fracasso pessoal a ser superado, ao invés de um fenômeno que expõe as tensões e contradições sociais.
2. A Coação Invisível à Felicidade: Han desenvolve o conceito de uma "coação invisível", onde a felicidade deixa de ser um ideal voluntário e passa a ser uma obrigação social. Na sociedade paliativa, a busca pela felicidade não é mais uma escolha, mas uma imposição constante que condiciona as pessoas a acreditarem que qualquer sentimento de mal-estar ou infelicidade é anormal e deve ser imediatamente erradicado ou tratado. Assim, a felicidade torna-se uma performance, um dever moral imposto pela lógica neoliberal de produtividade.
3. Medicalização e Anestesia Social: Para Han, a dor é eliminada da esfera pública por meio de intervenções médicas e tecnológicas. A sociedade contemporânea está saturada de analgésicos, distrações midiáticas e entretenimento que funcionam como anestésicos emocionais. Essas estratégias visam suprimir o sofrimento, tanto físico quanto psicológico, em vez de compreendê-lo ou enfrentá-lo. Essa anestesia social impede que o sofrimento se transforme em um questionamento crítico da realidade ou das condições sociais que o produzem, criando uma sociedade que, embora aparentemente livre de sofrimento, é superficial e alienada.
4. Autoexploração e Individualização da Responsabilidade: Han destaca como o modelo neoliberal desloca a responsabilidade do sofrimento para o indivíduo. Cada pessoa é obrigada a ser o próprio gestor de seu bem-estar, o que leva à autoexploração. O fracasso em atingir a felicidade, ou em superar o sofrimento, é atribuído à falta de empenho pessoal ou à ineficácia em se adaptar ao modelo de autoaperfeiçoamento. Isso gera uma cultura de culpabilização individual, obscurecendo as causas sociais, econômicas e políticas do sofrimento.
5. A Felicidade Como Nova Forma de Dominação: Nesse ponto, Han vincula a ideia da coação à felicidade com a crítica ao poder neoliberal. Ele afirma que a promessa de felicidade contínua e a eliminação da dor criam um novo tipo de dominação, onde as pessoas são incentivadas a autopoliciar suas emoções e comportamentos, mantendo-se constantemente produtivas e otimistas. Ao contrário das formas de dominação visíveis e repressivas do passado, essa nova forma de poder é internalizada. A pessoa se vê como responsável por sua própria infelicidade, aceitando voluntariamente os imperativos de desempenho e eficiência.
6. A Ilusão da Liberdade: Han também critica a ilusão de liberdade presente na sociedade neoliberal. Embora as pessoas acreditem que estão livres para buscar sua felicidade, essa liberdade é, na verdade, limitada pelo imperativo de serem produtivas e bem-sucedidas. A promessa de liberdade se revela como um mecanismo de controle que engaja os indivíduos em uma corrida sem fim em direção à felicidade, sem questionar os próprios alicerces dessa busca ou as estruturas que a sustentam.
7. A Perda da Capacidade de Enfrentar o Sofrimento: Han argumenta que a sociedade contemporânea, ao tentar eliminar o sofrimento de todas as formas possíveis, perde a capacidade de lidar com ele de maneira significativa. O sofrimento, que poderia ser uma via para a reflexão e transformação pessoal e social, é neutralizado, tornando-se apenas uma experiência a ser evitada. Nesse processo, a sociedade perde a profundidade e a capacidade de se engajar com o real, vivendo em uma superficialidade emocional que empobrece as experiências humanas.
Relações com a Psicanálise:
Ao fazer uma leitura psicanalítica desse processo, é possível traçar paralelos entre as ideias de Han e o conceito freudiano do mal-estar na civilização. Freud, em sua obra, explora como a busca pela felicidade e pela satisfação é constantemente frustrada pela própria natureza das repressões que a civilização impõe. A civilização cria normas e restrições que causam sofrimento, e a felicidade torna-se um ideal inalcançável. Da mesma forma, Han vê o neoliberalismo como uma nova forma de civilização que impõe suas próprias restrições e normas, utilizando a felicidade como uma ferramenta de controle e dominação.
Freud também fala sobre o uso de mecanismos de defesa que alienam o sujeito de seu sofrimento real, o que ecoa nas críticas de Han à anestesia social contemporânea. Assim como Freud identifica que o sofrimento é parte integrante da condição humana e da vida em sociedade, Han acredita que a dor, quando adequadamente enfrentada, pode gerar significado e provocar transformações individuais e sociais. No entanto, a sociedade paliativa evita esse confronto com o sofrimento, criando uma cultura de superficialidade e alienação emocional.
Conclusão:
A “coação à felicidade”, para Byung-Chul Han, é um dos fenômenos centrais da sociedade paliativa. A medicalização da dor, a imposição de uma felicidade compulsória e a internalização de responsabilidades individuais criam uma sociedade que nega o sofrimento e valoriza a produtividade e o desempenho acima de tudo. Nesse sentido, a felicidade, longe de ser uma escolha livre, torna-se uma forma de dominação silenciosa, mascarando as verdadeiras causas do mal-estar contemporâneo e impedindo a crítica social e política que poderia emergir da experiência da dor.
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